O Supremo Tribunal Federal retomou nesta sexta-feira (18/10) o julgamento de repercussão geral em que o Plenário discute a possibilidade de entes públicos contratarem serviços jurídicos sem licitação e decide se é válida a modalidade culposa da improbidade administrativa (ou seja, quando não há intenção de cometê-la).
Ainda falta definir a tese sobre atos culposos de improbidade. A discussão abre brechas para rediscutir casos já concluídos sobre o tema, o que foi rechaçado pela corte em 2022.
O STF já tem maioria para adicionar dois critérios que não estão previstos na lei para contratação de serviços jurídicos sem licitação.
Sete ministros já concordaram que é possível a contratação de serviços advocatícios sem licitação, mas, além dos requisitos já previstos de forma expressa na antiga Lei de Licitações e Contratos (necessidade de procedimento administrativo formal; notória especialização profissional; serviço de natureza singular), a contratação só pode ocorrer quando a prestação do serviço pelos integrantes do poder público for inadequada; e desde que a cobrança do serviço contratado seja compatível com o preço de mercado.
No mesmo julgamento, os magistrados também passaram a discutir em quais casos essa contratação configura improbidade. Os debates acabaram evoluindo e o colegiado deu um passo além, para uma definição sobre a inconstitucionalidade ou não da modalidade culposa de ato de improbidade. Esse é o ponto ainda sem maioria.
Quatro ministros consideraram que a modalidade culposa de improbidade é inconstitucional, enquanto três discordaram e se opuseram a incluir o debate na tese de julgamento.
A análise havia sido interrompida em junho por um pedido de vista do ministro André Mendonça, que agora devolveu os autos e acompanhou esta última corrente.
Contexto
A corte julga dois recursos extraordinários sobre o mesmo tema. Eles tratam de uma ação civil pública do Ministério Público de São Paulo contra a contratação, feita pela Prefeitura de Itatiba (SP), de um escritório para a prestação de serviços técnicos de advocacia.
A análise envolve três dispositivos da antiga Lei de Licitações e Contratos (de 1993, revogada em 2021) que dispensam a licitação quando houver inviabilidade de competição e para a contratação de serviços técnicos, como o patrocínio ou defesa de causas judiciais e administrativas.
Outro ponto do julgamento é verificar se tais contratações de serviços jurídicos configuram improbidade.
Dolo é imprescindível
Em grande parte de seu voto, o ministro Dias Toffoli, relator do caso, dedicou-se a analisar se os casos em que há a contratação dos serviços jurídicos sem que sejam cumpridos os requisitos necessários consistem ou não em atos de improbidade administrativa.
O ministro considerou que o dolo (intenção) é um requisito para qualquer ato de improbidade administrativa. Assim, para ele, é inconstitucional a modalidade culposa de ato de improbidade, prevista na redação original da Lei de Improbidade Administrativa (LIA).
“A culpa, inclusive quando grave, não é suficiente para que a conduta de um agente seja enquadrada em ato de improbidade administrativa, qualquer que seja o tipo desse ato”, assinalou.
O ministro citou a nova LIA, que estabeleceu a necessidade do dolo para que a conduta de um agente seja considerada um ato de improbidade administrativa.
“Penso eu que essa modificação legislativa somente corrobora o que sustento no presente voto: a improbidade administrativa sempre demandou o dolo.”
Até o momento, Toffoli foi acompanhado na íntegra por Flávio Dino, Alexandre de Moraes e Cristiano Zanin.
Divergência
O ministro Luís Roberto Barroso divergiu do relator em alguns pontos — entre eles, a validade dos atos de improbidade culposos.
Barroso lembrou que, em 2022, o Supremo manteve a validade de condenações por atos de improbidade culposos anteriores à edição da nova LIA. Na ocasião, a corte também não impediu o Legislativo de aprovar alguma norma que restabeleça a punição por atos de improbidade com culpa.
Por isso, o ministro sugeriu corrigir a tese de Toffoli e não estabelecer a inconstitucionalidade da modalidade culposa de ato de improbidade administrativa (já que isso não foi decidido na ação que discutia o tema). Ele ainda propôs ressaltar que o dolo também é necessário para atos praticados antes da nova LIA, desde que não haja condenação transitada em julgado.
Já os ministros Edson Fachin e André Mendonça também concordaram com os critérios de contratação propostos por Toffoli e acompanharam a tese de Barroso com relação ao dolo nos atos de improbidade.
Contratação direta
Toffoli votou a favor da possibilidade de contratação sem licitação e estabeleceu os critérios adicionais. Ele ainda entendeu que a contratação de serviços advocatícios sem licitação prévia por parte de prefeituras só é válida se não houver norma municipal que a impeça.
Para o magistrado, é inviável a competição envolvendo a contratação de serviços jurídicos, uma vez que envolve profissionais especializados de modo diferenciado e não há critérios objetivos para comparar os potenciais competidores.
“Há determinados serviços que demandam primor técnico diferenciado, detido por pequena ou individualizada parcela de pessoas, as quais imprimem neles características diferenciadas e pessoais. Trata-se de serviços cuja especialização requer aporte subjetivo, o denominado ‘toque do especialista’, distinto de um para outro, o qual os qualifica como singular”, disse o relator em seu voto.
De acordo com ele, se os serviços em questão “são prestados com características subjetivas, consequentemente são julgados de modo subjetivo, afastando a objetividade e, com ela, a competitividade, não se justificando a necessidade de instauração da licitação pública”.
Além de Dino, Alexandre e Zanin, os critérios estabelecidos pelo relator para a contratação também foram seguidos por Barroso e Fachin.
O presidente do STF também divergiu do relator com relação à validade de contratações sem licitação quando há norma municipal que a impeça.
De acordo com ele, “se estão presentes os requisitos que autorizam a contratação de serviços de advocacia por inexigibilidade de licitação”, uma lei local não pode exigir tal procedimento.
Isso justamente porque, nesses casos, é “impossível a competição entre potenciais interessados na execução do objeto” e não há muitos prestadores que possam executar o serviço de forma satisfatória.
O magistrado ainda argumentou que uma previsão legal com uma proibição do tipo significaria interferência indevida do Legislativo em um “ato de gestão a cargo do Poder Executivo”.
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RE 656.558 / RE 610.523
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