1. Distribuição regional da Lei Rouanet é aperfeiçoada e ajuda a nacionalizar incentivos
A principal inovação na política de incentivo ao setor cultural implementada nesta gestão do Governo Federal, via Lei Rouanet, não é o aumento de verbas disponíveis e efetivamente aplicadas em espetáculos e projetos de todas as expressões artísticas. Embora o aumento seja real, superando períodos anteriores, a maior mudança é uma distribuição mais equilibrada dos recursos, ampliando o acesso de regiões além do Sudeste, destino quase automático de grande parte dos investimentos captados.
Entre 2023 e 2024, o total de recursos obtidos junto a investidores privados a partir da Lei Rouanet cresceu aproximadamente R$ 800 milhões, um aumento de 37% na comparação com o último ano do governo anterior. Para o Sudeste, também houve aumento na distribuição dos recursos no período, de R$ 483 milhões, em 2022, para R$ 604 milhões, em 2024, ou 25% a mais — sem contar as captações apenas para as cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo.
Para a região Norte, apesar de o volume de dinheiro ser bem menor, o percentual de aumento foi em torno de 260%, passando de R$ 22 milhões para R$ 78,6 milhões captados pelos mecanismos de incentivo fiscal.
“Pode parecer pouco, mas o incremento para o Norte é relevante. Note que não retiramos nada do eixo Rio-São Paulo, do Sudeste. Apenas estamos buscando nacionalizar a distribuição”, explica Henilton Menezes, secretário Nacional de Economia Criativa e Fomento Cultural do Ministério da Cultura (MinC).
A maior fatia para o Sudeste corresponde ao próprio potencial da região como centro produtor de espetáculos e sede de empresas e grupos especializados no setor. Mas, em parte, isso reflete uma certa acomodação do setor. Mesmo artistas e grupos sediados em outras localidades do país tendem a buscar no Sudeste o apoio necessário para seus projetos. Os valores captados em 2024 apenas nas capitais do Rio (R$ 538,7 milhões) e São Paulo (R$ 979,3 milhões) confirmam a força dessas cidades.
NACIONALIZAÇÃO — O secretário Menezes explica que o Ministério da Cultura tem buscado fazer fomentar outros polos produtores, capacitando-os a também concorrer aos incentivos proporcionados pela Lei Rouanet. É o que a ministra da Cultura, Margareth Menezes, tem chamado de nacionalização dos recursos. Para isso, o Governo Federal criou os programas Rouanet Norte, Rouanet Nordeste, Rouanet da Juventude e Rouanet nas Favelas. As novas modalidades promovem instrumentos de capacitação para formatar projetos, disputar incentivos e conquistar patrocínio empresarial.
“A gente vai induzindo que essas pessoas tenham capacidade de apresentar suas propostas. No edital da região Norte apareceram, por exemplo, várias tribos indígenas que apresentaram propostas que nunca tinham aparecido, porque eles achavam que aquilo não era para eles. E a gente mostrou que pode ser para eles. Então, isso é inédito”, celebra o secretário Menezes.
“Nosso objetivo é fazer com que os agentes culturais, de qualquer lugar do Brasil, de qualquer conceito artístico, possam dizer assim: ‘Eu posso apresentar uma proposta no Ministério da Cultura’”, complementa. "Nós não estamos querendo tirar o Sudeste e levar para o Nordeste, ou para o Norte, o que a gente está querendo é ampliar o investimento".
OFICINAS – Uma das principais ferramentas para esse estímulo é a realização de oficinas de formação para agentes culturais que queiram disputar recursos captados pela Lei Rouanet. A primeira ação da nova modalidade, na região Norte, envolvia quatro patrocinadores estatais: Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco da Amazônia e Correios. “Foram nossos quatro parceiros nesse primeiro projeto que a gente fez com esse conceito”, conta o secretário.
Foi estabelecida também uma parceria com o Sesi Nacional para realização de oficinas nos sete estados do Norte, para 1.500 pessoas. Mais que um curso teórico, os monitores ajudavam os artistas a preparar um projeto para disputar os recursos advindos do incentivo fiscal. No final do dia, a pessoa saía com um projeto pronto e já inscrito no portal do Ministério da Cultura.
“Só assim se consegue fazer inclusão. Porque não adianta apenas dizer para as pessoas se inscreverem. Assim, só vão se inscrever aqueles que já sabem e conhecem o processo, e então vamos ficar rodando dentro do mesmo ciclo. Quando você dá a ferramenta para as pessoas, começa a ter a possibilidade real de acesso”, diz Menezes. As próximas etapas de formação, além do Norte, vão se estender para as outras três modalidades recém-criadas.
ESTATAIS — A proximidade com empresas estatais e a convergência de suas direções com a política cultural adotada pelo Governo Federal têm sido usadas como instrumentos para fomentar a nacionalização do uso do incentivo fiscal da Rouanet, como acontece na região Norte. Outro exemplo vem da Petrobras. Com a empresa, o Ministério da Cultura conseguiu formatar uma política de cotas para os patrocínios culturais.
Historicamente, diz Menezes, 80% das verbas para esse fim eram destinadas ao eixo São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Pelo menos até 2019, quando a gestão anterior retirou a empresa de energia do rol de patrocinadores culturais. Com a retomada de patrocínios pela Petrobras, desde 2023, surgiu uma nova dinâmica.
"Através de uma parceria emblemática, nós estabelecemos que dos R$ 250 milhões que estão lá na cota traçada por edital, 15% fossem para a região Norte, 15% para o Nordeste, 15% para o Centro-Oeste, 15% para o Sul, e 15% pro Sudeste. Então, você soma tudo isso, sobram ainda 25% para disputa entre todas as regiões. Ainda que estes 25% restantes fossem integralmente para o Sudeste, aquela região teria no máximo 40% de todo o orçamento da Petrobras", detalha o secretário.
INTERMEDIAÇÃO — Neste caso da Petrobras, o MinC também desempenha o papel de formador de novos públicos aptos a propor projetos e concorrer aos incentivos fiscais advindos da Rouanet. As oficinas de formação funcionam em moldes semelhantes às realizadas no ano passado para a região Norte.
Outro papel importante desempenhado pelo MinC, em casos assim, é fazer a intermediação entre grandes investidores e agentes culturais recém-chegados ao universo Rouanet, com projetos selecionados. Isso pode ocorrer, inclusive, na relação com empresas privadas. "Isso só é possível ser feito pelo Ministério da Cultura, que tem credibilidade suficiente, tem institucionalidade suficiente para chegar num grande operador e ajudá-lo a enxergar novos projetos além dos polos produtores tradicionais", comenta Menezes. Em situações que envolvam agentes culturais já renomados ou experientes, essa mediação não é necessária.
CRITÉRIOS TÉCNICOS — O secretário Nacional de Economia Criativa e Fomento Cultural destaca que os projetos que concorrem aos incentivos fiscais da Rouanet chegam ao MinC pela plataforma digital, aberta a qualquer proponente. Após a chegada, as equipes do ministério checam se o projeto obedece aos critérios técnicos. Ele explica:
"Por exemplo: a proposta de fazer uma partida de futebol. Não é um objeto cultural, apesar de o futebol ser cultura. Mas eu posso fazer um museu do futebol e posso contar a história do futebol. Eu posso contar a história de uma personalidade do futebol. Mas a partida em si, o jogo, caberia ao Ministério do Esporte. Então, a primeira coisa é saber o seguinte: essa proposta cabe nos pré-requisitos da lei?", exemplifica.
PLURALIDADE — "Não há nenhuma vedação para tipo ou estilo algum de música. Não há nenhuma vedação para música que tem o seu caráter religioso, por exemplo, desde que não seja proselitismo religioso. Proselitismo é usar aquela manifestação cultural para convencer alguém a assumir aquela religião. Mas uma manifestação cultural que tenha música com tema religioso, como a música do Roberto Carlos, 'Jesus Cristo', que é música amplamente conhecida, eu não posso prescindir", diz Menezes.
APROVAÇÃO — "Este programa funciona com vários atores. Quem é o gestor do programa somos nós aqui na Secretaria, mas o Ministério todo participa do programa. Por exemplo, se eu recebo aqui um projeto de restauro de um patrimônio histórico ou um projeto que fala de um bem tombado imaterial, como o frevo ou o samba, como eu não sou a unidade técnica para dar um parecer, eu mando ao Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). E o Iphan vai dar o parecer técnico. Se é o restauro de um museu, nós procuramos o Ibram (Instituto Brasileiro de Museus). Se é uma exposição de arte, eu vou mandar para a Funarte (Fundação Nacional de Artes). Um projeto de cultura negra, eu mando para a Fundação Palmares. Um projeto de audiovisual, enviamos para a Ancine (Agência Nacional do Cinema). Daí vem a análise técnica".
Menezes prossegue: "A terceira camada de aprovação é a Comissão Nacional de Incentivo à Cultura. Ela é formada paritariamente pelo Governo e pela sociedade civil. Todos os projetos precisam ter a aprovação da Comissão Nacional de Cultura. A Comissão se reúne uma vez por mês. É um colegiado que analisa todos os projetos que vão entrar em execução. A decisão é tomada pelos votos de 16 pessoas. Um voto contrário ou um parecer, faz o projeto voltar para outra análise. E a quarta camada de aprovação é a autorização da ministra".
PAGAMENTO — Se o projeto artístico-cultural for aprovado, o proponente (artista ou grupo) recebe uma espécie de certificado que autoriza a captação. "É a garantia ao empresário de que aquele projeto vai gerar incentivo fiscal". A partir deste ponto, a responsabilidade é toda do empresário, a quem caberá escolher se quer patrocinar, e qual projeto lhe interessa. Montado o projeto, a empresa ou a pessoa física patrocinadora tem direito a isenção de imposto equivalente.
VALORES — A Lei Rouanet prevê faixas de incentivo para cada tipo de proponente, ou seja, para cada tipo de pessoa ou grupo que reivindica acesso a verbas proporcionadas pela Rouanet. O limite máximo para proponente pessoa física é de R$ 500 mil. Para microempresas, o teto é de R$ 1 milhão. A escala segue até o valor de R$ 10 milhões, para grandes empresas, como produtoras. Este teto pode ser ampliado em casos especiais, como restauro de patrimônio histórico.
Já para os patrocinadores, a regra é outra. O valor máximo do projeto (ou conjunto de projetos em que se vai investir) equivale a 4% do imposto devido. Grandes bancos, dada a rentabilidade que têm, costumam ser os maiores patrocinadores. Qualquer patrocinador, se tiver fôlego, pode patrocinar mais de um projeto.
RETORNO — A cada R$ 1 de isenção para projetos culturais, estudos independentes estimam que há um retorno de R$ 1,60 em impostos. Mas o retorno é maior, porque nem todas as atividades que se beneficiam de atividades culturais pagam impostos. Exemplo: o pipoqueiro na porta do teatro. Somando todas as atividades impactadas pela indústria cultural, o retorno é de R$ 6 para cada R$ 1 de isenção, segundo o Ministério da Cultura.
CULTURA E PIB — A cultura é uma cadeia produtiva. E as cadeias produtivas existentes recebem apoio do Estado, seja em isenção fiscal, seja em crédito produtivo subsidiado: indústria automotiva, agronegócio, empresas de comunicação, entre outras. O incentivo à cultura representa 0,6% do PIB, embora a cadeia produtiva cultural represente 3% do mesmo PIB.
CUSTOS INVISÍVEIS — Uma exposição de arte, com acervo pertencente a museus internacionais, é um bom exemplo de custos nem sempre visíveis. Uma coleção renascentista, por exemplo, lida com o preço dos seguros para as obras e as exigências técnicas — como transporte de quadros em diferentes aviões ou limite de pessoas que podem permanecer durante certo tempo em uma sala de exposição, devido a questões como temperatura e umidade, elevam sobremaneira os custos. Para tanto, a Lei Rouanet facilita a captação de recursos. "Quem reclama disso são pessoas que podem ir a Paris ou Nova York, ver as obras nos museus proprietários. Não o trabalhador ou a trabalhadora que quer ver sem pagar muito e na cidade onde vive", argumenta Menezes.
RETOMADA — Segundo o MinC, a gestão anterior dificultou o acesso dos projetos candidatos a incentivos da Lei Rouanet. Como no caso da Petrobras, citado acima. Mas isso não quer dizer que a Rouanet deixou de captar recursos no período. É verdade que muitos projetos já tinham sido aprovados em exercícios anteriores — cada projeto tem até cinco anos para tentar captar verbas, a partir do momento em que é aprovado.
PAULO GUSTAVO E ALDIR BLANC — A Lei Paulo Gustavo foi criada durante a pandemia de Covid-19 e representa o maior valor investido diretamente em cultura na história do Brasil. Isso significa que o dinheiro vai direto aos estados e municípios para apoio a projetos locais, sem incentivo fiscal. A Lei Aldir Blanc é parecida e dá sustentação ao Fundo Nacional de Cultura.
CHECAGEM — Há uma ferramenta do MinC onde os cidadãos podem conferir se determinado artista recebeu recursos da Lei Rouanet e outras informações complementares. A navegação é simples e o sistema permite busca por palavras-chaves. É o portal Salic.
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